Texto de ANTONIO RIBEIRO ,que pessoalmente subscrevo
inteiramente.MDC.
QUE VIVA CUBA!
« Não me sinto o mais indicado
para tecer loas a Fidel Castro. Não é que ele não as merecesse e garanto-vos
que merecia mesmo! Liderar um país que era miserável em 1960 contra os
interesses da mais agressiva superpotência mundial, e tudo isso a apenas 150
quilómetros de Key West (Miami), que em matéria de valores e de estilo de vida
é uma espécie de América ao quadrado, não há-de ter sido nada fácil. É aliás
obra de gigante, isso podem crer. Nacionalizar os sectores monopolistas
americanos (hotéis de luxo, batota casineira, tráfico de droga, prostituição à
escala industrial, banca, produção e distribuição de electricidade e exclusivo
das comunicações) sem pagar nada aos donos daquilo tudo foi uma empreitada e
pêras! Logo a seguir convém lembrar as tentativas de assassinato, a nojenta
aventura da Baía dos Porcos orquestrada pela CIA, a questão irresolvida de
Guantánamo e, sobretudo, o escandaloso boicote comercial que deixou o país à
míngua de tudo, incluindo os sobressalentes indispensáveis para manter máquinas
e equipamentos em estado operacional. Muita gente não sabe, ou já esqueceu, que
o embargo não era só anti-Cuba, era também contra todas as companhias do mundo
inteiro que teimassem em manter negócios com Cuba, em exportar para Cuba, em
voar ou navegar para lá, entidades às quais era automaticamente vedado ter
relações comerciais com companhias americanas. Uma chantagem política
miserável, inumana e desproporcionada, que pretendia esmagar um povo inteiro e
estimulá-lo à insurreição contra os seus dirigentes. De maneira que os EUA
transformaram-se eles mesmos, a propósito de Cuba, numa imensa "baía dos
porcos". Se a América tivesse querido ser um país decente teria recorrido
para os tribunais internacionais, teria negociado nos bastidores diplomáticos
compensações adequadas e faseadas no tempo, mas não teria feito o terrorismo de
estado que de facto fez contra um povo inteiro. Sim, porque o que a América fez
a Cuba, em retaliação pelo facto de ela ter ousado revoltar-se, foi um
formidável genocídio social, sem paralelo algum no mundo moderno, seja em
intensidade, seja em duração. Neste contexto dramático e violento, que vive de
factos que não são propaganda mas absolutamente testemunhados e comprovados ao
longo de décadas, não faz qualquer sentido vir agora invocar erros, exageros e
violações de certos direitos. Nunca fui esquerdista, sou apenas um
social-democrata à esquerda, mas tenho de contextualizar tudo o que aconteceu
na Cuba de Fidel para poder valorizar as coisas boas e as coisas más que lá
aconteceram ao longo de quase seis décadas. E o saldo que Fidel legou à
História é algo de formidável. À cabeça, a noção de que um país não se verga à
agressão e que um povo unido jamais será vencido. Nós conhecemos esse slogan em
Portugal, mas lá é que ele fazia todo o sentido, na pureza integral das ideias
e dos ideais. Mas há muito mais. À falta de direitos económicos e a
impossibilidade prática de empreendedorismo privado, Fidel respondeu da única
maneira possível num estado sitiado: construiu um sistema de educação gratuita,
um sistema de saúde gratuita, um sistema em que todos tinham direito a um tecto
para viver. Chama-se a isso direitos sociais, que não substituem os outros
direitos transitoriamente comprimidos, mas que não são menos importantes do que
os direitos das liberdades abstractas, que em certas condições políticas e
sociais não servem para nada. Fidel encostou-se à antiga URSS? Pois sim, mas
que alternativa tinha ele, se ele não aceitava capitular? Fidel não foi gentil
com os seus opositores, mas que alternativa tinha ele se não queria entregar o
poder ao inimigo? Cuba é um caso à parte no panorama internacional. Leiam o
livro magnífico da filha do chefe da PIDE de Salazar que emigrou para Cuba e lá
teve uma vida de mão cheia em termos de sucessos pessoais e profissionais.
Leiam que Silva Pais (o chefe da PIDE de Salazar) teve autorização para ir
visitar a sua filha em Cuba, não obstante a extrema diferença ideológica entre
ambos os regimes. Eles não impuseram que a Filha não contactasse com os seus
Pais! Falem com as elites das sociais-democracias escandinavas, que tanto
ajudaram Cuba e Fidel, e percebam por que motivo dirigentes políticos que nada
tinham de "comunistas" sempre acarinharam e apoiaram o regime cubano,
mesmo enfrentando o desagrado americano. Neste momento histórico, e mesmo tendo
presente que algumas coisas desagradáveis não precisavam de ter acontecido, eu
vos digo: Que Viva Cuba! E parabéns a Fidel, que deixou uma marca indelével na
História. A marca de independência nacional, da resistência ao imperialismo e
da autonomia política dos povos. Que grande lição ele nos deu!» António Ribeiro.
…………………………………………………………………………………..
Obs.1- Em 1975 a filha de Silva
Pais esteve em Portugal com o poeta Cubano N.Guillên.Tive o prazer de os
conhecer e termos ido a Évora comer um ensopado de borrego e ver de perto as
transformações no Alentejo….o resto depreende-se! MDC.
Obs.2-Em Janeiro de 1976,após o
25 de Novembro, embarquei para Havana na sua companhia aérea, a partir de
Madrid, com Varela Gomes e Costa Martins e fomos muito bem recebidos como
exilados. .Onde permanecemos durante mais de uma mês até chegarmos a Angola.Em
Cuba vivia-se muito melhor que nas antigas colónias espânicas….MDC