Este país também é para velhos ! ”
«Este país não é para velhos» tradução errada dum
autor americano que deu à luz uma obra recentemente transformada num filme,
muito badalado. Fui ver. Não gostei. O título com tradução correcta seria “este
país já não é o que era».Refere-se a uma certa América. Continuaria a não
gostar dele, mas talvez o entendesse melhor.
O meu título refere-se a Portugal. Mais, refere-se à nossa essência de Portugal de Abril. Explicarei porquê!
Sou um vaidoso. Às vezes dizem ou insinuam que terei alguma sede de protagonismo. Já me deram tantas explicações para estes males. Nenhum remédio. Desculpo-me tantas vezes comigo próprio...Que serei vaidoso pelas coisas boas, por muitos anos de falta de auto-estima, e por desconfiar de ter sido sempre o primeiro classificado dos meus cursos e não achar que o merecia .
Media o mundo por mim e a minha bitola era exponencialmente mais exigente do que a dele. Afinal não era preciso ser como eu queria. Bastava que fosse como ele (o mundo) queria ou precisasse que eu fosse para com ele ! Super-ego a mais, dirão os especialistas.
Mas isto deu-me pancada forte. Vaidade e protagonismo para quê?! São tudo balelas!? Procura-se remédio...
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Caíram-me umas folhas dum baú. Um manuscrito de duas folhas datadas de 27 de Fevereiro de 2003 e escritas por um idoso que iria fazer 89 anos no então ,próximo, dia 13 do mês de Abril.
Nesse dia a sua irmã mais velha festejava 100 anos.
A partir daqui as palavras são suas.
«Excelentíssimo Senhor Presidente da Santa Casa da Misericórdia do Fundão e seus colaboradores. Minhas Senhoras e meus Senhores.»
«Como irmão mais novo presente e ainda vivo, venho agradecer a Vossas Excelências, primeiro as palavras neste momento de homenagem à minha irmã e em segundo lugar por terem organizado este evento no dia em que se comemoram as suas cem risonhas Primaveras.»
«A família S.C. da Capinha, era constituída ,além dos pais, por cinco irmãos, sendo a homenageada a mais velha que para os mais novos era considerada uma segunda mãe, porque os pais devido à labuta, fora de casa, era a esta a quem entregavam o cuidado dos irmãos mais novos, ao ponto de nunca poder ter frequentado a escola e por isso ela se queixava de todos saberem ler e ela ser analfabeta.»
«Esta nossa irmã era uma rapariga muito bonita e por isso todos os rapazes do seu tempo a queriam namorar mas a nossa mãe não a deixava dançar no baile, que aos domingos, se realizava no adro da Igreja da Capinha. Por isso eu (o mais novo e único irmão masculino) tinha como missão avisá-la quando a nossa mãe saía de casa, próximo do largo, com um pau debaixo do avental para lhe bater se a apanhasse a dançar, por já saber desse seu gosto.»
«Como era também um cantadeira como poucas, pela altura da Quaresma, na procissão do enterro do Senhor, que se realizava cerca da meia-noite da Quinta-Feira Santa, os promotores das cerimónias escolhiam-na sempre para cantar no papel da Verónica da história bíblica. Ela fazia esse papel com um melodia inexcedível.»
«Quando lhe arranjaram namoro, para casar, com aquele rapaz desta terra (Peroviseu) que veio a ser seu marido, os rapazes da Capinha obrigaram este a pagar-lhes um monte de pão de trigo de quatro quartos, da altura do namorado e ainda um presunto e três almudes de vinho, para se vingarem de terem perdido a rapariga mais bonita da sua terra.»
« Foi sempre uma grande amiga dos seus irmãos. Por exemplo. Eu fui contemplado com o pagamento dos livros que precisei para me matricular na Escola Industrial e Comercial da Covilhã, onde também trabalhava, mas onde ela ía todos os sábados, montada num animal, com dois cestos de azeitona para vender na praça daquela cidade.»
«Também depois da irmã Natividade (terceira na idade) ter casado no Fundão, resultando desse casamento o nascimento de dois filhos, o Fernando e o Joaquim António, e esta nossa irmã ter negócios de culinária e venda de roupas que confeccionava, esta nossa mana Maria ía a todas as feiras e romarias vender aqueles produtos para auxiliar a irmã e ao regressar depois das vendas, apresentava já as contas feitas. Mentalmente apresentava as receitas e os custos como se fosse uma letrada.»
«Também por alturas dos festejos de Santa Luzia ,o meu cunhado, num carro de bois, pedia-me para lhe escrever um letreiro “Só se vende um copo de vinho a quem comprar um passarinho”. Esse meu cunhado mandava preparar “taralhões” e pendurava-os no tampo da pipa e era a mana Maria que seguia a pé, a tràs do carro, a vender os copos de vinho pelo caminho. Ao chegarem à romaria de Santa Luzia já o vinho e os pássaros estavam vendidos e por isso mandavam regressar ao Fundão o “ganhão” com o carro e a pipa já vazia.»
«Já referi que ela era muito cantadeira e isso era de facto uma constante até mesmo nos trabalhos agrícolas. De quando eu era novato há umas cantigas que me ficaram no ouvido.»
« Senhora Santa Luzia/ Minha Senhora tão bela/Com a Vossa ajuda no caminho/Estamos a chegar à Vossa Capela.»
«A terra da Beira-Baixa/É de todas a mais bela/A dar castanhas e azeitonas/Não há outra como ela.»
«O comboio da Beira-Baixa/Tem 24 janelas/Mais abaixo,mais acima/Meu amor vai numa delas.»
«Agora só me resta pedir desculpa pelo tempo que vos tomei, desejando que todos os presentes cheguem a esta bonita idade de gozar as cem risonhas Primaveras tal qual a minha irmã e segunda mãe,a qual é ainda o orgulho de três filhos, dez netos, quatorze bisnetos e cinco trinetos.A todos um bem-haja muito grato e que Deus vos pague este sacrifício que fizestes por vir a esta bela freguesia da Peroviseu.»
O autor destas palavras viveu entre nós mais quase quatro anos. Não chegou, para si, os votos que fez para os então presentes: atingirem as “risonhas cem Primaveras”.
Mas teve sempre muito orgulho no caminho que fez caminhando...e nas sementes deitadas a campo...
Ela a irmã fez no passado 27 de Fevereiro 105 “risonhas Primaveras”, provando que este país de Abril também é para velhos como foi, também, com estes velhos que cresceu e se libertou.
E que será com os novos e velhos ,do Minho ao Algarve, que acabaremos por construir, as peças por fazer, do Abril , que todos queremos.
Como poderá um humilde cidadão deixar de ser vaidoso?
Basta não esquecer as origens...e se puder olhar todas as noites para a estrela Polar. Mesmo em noites de névoa ou nevoeiro ela está lá.
Caíram-me umas folhas dum baú. Um manuscrito de duas folhas datadas de 27 de Fevereiro de 2003 e escritas por um idoso que iria fazer 89 anos no então ,próximo, dia 13 do mês de Abril.
Nesse dia a sua irmã mais velha festejava 100 anos.
A partir daqui as palavras são suas.
«Excelentíssimo Senhor Presidente da Santa Casa da Misericórdia do Fundão e seus colaboradores. Minhas Senhoras e meus Senhores.»
«Como irmão mais novo presente e ainda vivo, venho agradecer a Vossas Excelências, primeiro as palavras neste momento de homenagem à minha irmã e em segundo lugar por terem organizado este evento no dia em que se comemoram as suas cem risonhas Primaveras.»
«A família S.C. da Capinha, era constituída ,além dos pais, por cinco irmãos, sendo a homenageada a mais velha que para os mais novos era considerada uma segunda mãe, porque os pais devido à labuta, fora de casa, era a esta a quem entregavam o cuidado dos irmãos mais novos, ao ponto de nunca poder ter frequentado a escola e por isso ela se queixava de todos saberem ler e ela ser analfabeta.»
«Esta nossa irmã era uma rapariga muito bonita e por isso todos os rapazes do seu tempo a queriam namorar mas a nossa mãe não a deixava dançar no baile, que aos domingos, se realizava no adro da Igreja da Capinha. Por isso eu (o mais novo e único irmão masculino) tinha como missão avisá-la quando a nossa mãe saía de casa, próximo do largo, com um pau debaixo do avental para lhe bater se a apanhasse a dançar, por já saber desse seu gosto.»
«Como era também um cantadeira como poucas, pela altura da Quaresma, na procissão do enterro do Senhor, que se realizava cerca da meia-noite da Quinta-Feira Santa, os promotores das cerimónias escolhiam-na sempre para cantar no papel da Verónica da história bíblica. Ela fazia esse papel com um melodia inexcedível.»
«Quando lhe arranjaram namoro, para casar, com aquele rapaz desta terra (Peroviseu) que veio a ser seu marido, os rapazes da Capinha obrigaram este a pagar-lhes um monte de pão de trigo de quatro quartos, da altura do namorado e ainda um presunto e três almudes de vinho, para se vingarem de terem perdido a rapariga mais bonita da sua terra.»
« Foi sempre uma grande amiga dos seus irmãos. Por exemplo. Eu fui contemplado com o pagamento dos livros que precisei para me matricular na Escola Industrial e Comercial da Covilhã, onde também trabalhava, mas onde ela ía todos os sábados, montada num animal, com dois cestos de azeitona para vender na praça daquela cidade.»
«Também depois da irmã Natividade (terceira na idade) ter casado no Fundão, resultando desse casamento o nascimento de dois filhos, o Fernando e o Joaquim António, e esta nossa irmã ter negócios de culinária e venda de roupas que confeccionava, esta nossa mana Maria ía a todas as feiras e romarias vender aqueles produtos para auxiliar a irmã e ao regressar depois das vendas, apresentava já as contas feitas. Mentalmente apresentava as receitas e os custos como se fosse uma letrada.»
«Também por alturas dos festejos de Santa Luzia ,o meu cunhado, num carro de bois, pedia-me para lhe escrever um letreiro “Só se vende um copo de vinho a quem comprar um passarinho”. Esse meu cunhado mandava preparar “taralhões” e pendurava-os no tampo da pipa e era a mana Maria que seguia a pé, a tràs do carro, a vender os copos de vinho pelo caminho. Ao chegarem à romaria de Santa Luzia já o vinho e os pássaros estavam vendidos e por isso mandavam regressar ao Fundão o “ganhão” com o carro e a pipa já vazia.»
«Já referi que ela era muito cantadeira e isso era de facto uma constante até mesmo nos trabalhos agrícolas. De quando eu era novato há umas cantigas que me ficaram no ouvido.»
« Senhora Santa Luzia/ Minha Senhora tão bela/Com a Vossa ajuda no caminho/Estamos a chegar à Vossa Capela.»
«A terra da Beira-Baixa/É de todas a mais bela/A dar castanhas e azeitonas/Não há outra como ela.»
«O comboio da Beira-Baixa/Tem 24 janelas/Mais abaixo,mais acima/Meu amor vai numa delas.»
«Agora só me resta pedir desculpa pelo tempo que vos tomei, desejando que todos os presentes cheguem a esta bonita idade de gozar as cem risonhas Primaveras tal qual a minha irmã e segunda mãe,a qual é ainda o orgulho de três filhos, dez netos, quatorze bisnetos e cinco trinetos.A todos um bem-haja muito grato e que Deus vos pague este sacrifício que fizestes por vir a esta bela freguesia da Peroviseu.»
O autor destas palavras viveu entre nós mais quase quatro anos. Não chegou, para si, os votos que fez para os então presentes: atingirem as “risonhas cem Primaveras”.
Mas teve sempre muito orgulho no caminho que fez caminhando...e nas sementes deitadas a campo...
Ela a irmã fez no passado 27 de Fevereiro 105 “risonhas Primaveras”, provando que este país de Abril também é para velhos como foi, também, com estes velhos que cresceu e se libertou.
E que será com os novos e velhos ,do Minho ao Algarve, que acabaremos por construir, as peças por fazer, do Abril , que todos queremos.
Como poderá um humilde cidadão deixar de ser vaidoso?
Basta não esquecer as origens...e se puder olhar todas as noites para a estrela Polar. Mesmo em noites de névoa ou nevoeiro ela está lá.
Manuel Duran Clemente Fundão 2003
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